segunda-feira, 2 de abril de 2018

DIGORESTE



Andando e aprendendo. Até porque para andar é preciso viver, vivenciar, experimentar. Viver é aprender. Há aqueles que não querem aprender, mas esses também não vivem. Passam pelo tempo. Ser uno neste louco universo de mais de sete bilhões de indivíduos é um milagre que não percebemos. Não acredito em milagres religiosos, acredito sim nos milagres da natureza; e nos milagres que o homem muitas vezes alcança por sua fé em algo maior do que ele. Esse algo maior tem muitos nomes. 

Gosto de ver como as pessoas brincam (e às vezes brigam) com as palavras. Aliás, a palavra, oriunda da fala, é um milagre por si só. O ser humano inventou a palavra e com ela vieram os idiomas e tudo isto me fascina quando penso que o elemento humano, que é um ser único, foi capaz de inventar tantas línguas diferentes e, mesmo na sua língua própria, tantas diferenças. 

Se somos todos descendentes de Luzia ou de Eva como fizemos para inventar tantos sons que se transformaram em sílabas e elas em palavras? Como seria o mundo se todos falassem a mesma língua. Europeus, asiáticos, americanos, africanos, maoris, paiaguás, sioux, incas... 

Esse sentimento um tanto antropocêntrico me surgiu com a palavra “digoreste”. Fiquei de orelha em pé quando ouvi isso a primeira vez em Cuiabá. Que trem é esse? - me perguntei. Como não sou nenhum grocotchó fui atrás da sabença. Então me explicaram que se alguém disser que sou um sujeito digoreste é porque sou muito bom, sou ótimo. 

Foram só dois dias em Cuiabá e retornei mais rico de linguagem e palavreado. Digoreste e grocotchó estão agora incorporadas no meu embornal de vernáculas. Posso chacoalhar o piquá e tirar de dentro dele palavras que nunca dantes havia usado ou ouvido. 

Sou suspeito para falar de Cuiabá. Desde menino eu gosto dessa cidade e de seus sons, como o cotchipó... e de suas ervas e seus preparados, de suas pêras assadas e seu pacu frito ou feito mujica. Foi a cuiabana Marcela de Brito quem me disse: “se comer cabeça de pacu você nunca mais irá embora de Cuiabá”. Eu comi bastante pacu no restaurante do Rui, no São Gonçalo, mas acho que esconderam as cabeças. 

Como não comi cabeça de pacu ficou então a saudade dessa terra quente e acolhedora, de suas mulheres morenas de olhos negros, de seu falar arrastado e cantado, um tanto indianizado. Ficou uma saudade dos novos amigos que lá deixei, com aquele sentimento de querência que Tião Carreiro e Pardinho registraram na moda “As três Cuiabanas” para lembrar de Giuviliana, Clarice e Inês...

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