quarta-feira, 15 de novembro de 2017

VER E NÃO VER



A revelação acontece de repente, sem avisar. É bem verdade que diariamente nos olhamos no espelho. Mas este olhar diário é um ver sem perceber. 
Rubem Alves

Dentre os bilhões de pessoas que convivem concomitantemente neste planeta, algumas são, decididamente, especiais. O que as torna diferentes e especiais?


Existem milhares de respostas prontas sobre isso e muita gente tentando nos vender os truques. Acho que Dale Carnegie foi o precursor. Faça isso e acontecerá aquilo. Sorria e todas as portas serão abertas. Tenho assim uma vaga memória de que Jesus andou dizendo isso também nas áridas terras da Galileia. Mas Dale sintetizou tudo isso numa nova literatura chamada autoajuda.


De onde estou, vejo o imponente disco-voador na beira do mar, pousado ali pelos dedos ágeis de Oscar Niemeyer. A nave de outros mundos abriga o Museu de Arte Contemporânea de Niterói. Da sacada do 13º andar do H Niterói eu contemplo, no cair da noite, o prédio do MAC e penso logo em Niemeyer. Entre os milhares de arquitetos quais deles imaginaria um disco-voador assentado numa praia brasileira, num contorno de terra onde ninguém pensaria em construir nada? Oscar pensou.


Por que Oscar Niemeyer é diferente de todos? Acho que nenhum Carnegie saberia responder a essa pergunta. Predestinação? Suor e lágrimas? Mente privilegiada? Dedicação e persistência? Amor à arte? Albert Speer também era dedicado, tinha mente privilegiada e amava as artes (será?). Que marca deixou este alemão assassino, amigo de assassinos? Conhecemos as marcas que Niemeyer deixou. Seus traços, a simplicidade complexa de suas obras, a beleza de suas curvas e de sua tentação de vencer a lei da gravidade. A marca do artista imortal.


Então, ali na sacada do H, ouvindo o eterno barulho das ondas do mar, chegando e voltando, quebrando na areia, me veio esse texto de Rubem Alves, sobre essa prepotência humana de ter olhos que não enxergam e ouvidos que não ouvem. Mais uma vez, acho que Jesus andou falando sobre isso nas margens do mar da Galileia. Ou como cantaram os Originais do Samba em “Esperanças Perdidas”:


Quantas belezas deixadas nos cantos da vidaQue ninguém quer e nem mesmo procura encontrarE quando os sonhos se tornam esperanças perdidasQue alguém deixou morrer sem nem mesmo tentar


Penso que a todo momento estamos tropeçando nas belezas da vida. Será que os niteroienses ainda percebem a presença do grande disco-voador enchendo os olhos dos visitantes? Ou será que, a exemplo da maioria, eles perderam a capacidade de ver essa obra gestada pelo gênio humano assim como podem ter perdido a arte de contemplar, do lado de lá da baia da Guanabara, a imponência das mãos de Deus refletidas no Pão-de-Açúcar...?


E nós, ainda temos tempo para ver e admirar o que temos de belo e artístico ao nosso redor seja em Niterói, no Rio ou ali em Duplo Céu?


Hoje você já se olhou no espelho para ver a maravilha que é você se ver e se perceber?


Se a resposta às duas perguntas for um não, acho que precisamos de uma bela reciclagem de alma e uma profunda repaginada de vida.


Niterói, RJ (15/11/2017)

Um comentário:

  1. Feliz do homem que enxerga o que vê, infeliz dos que viram enxergaram e esqueceram, pois, a lembrança é a visão da alma.
    Sobre o mesmo tema, conta a proza popular, que numa ocasião entrava em um cemitério um ancião... deparou-se com uma flor que brotava de um crânio, consternado perguntou... "infeliz flor que mal fizeste, que ao primeiro passo que deste para a vida, foi encontrar-se com a morte; deixar-te é triste, arrancar-te é forte; deixar-te com a vida é deixar-te com a morte.
    Forte T.'.F.'.A.'.

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